quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Respirar-se

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Olhou no calendário como que para confirmar o que estava sentindo. Os dias delicadamente organizados em fileiras, que se repetiam numa maneira delicada de estampar a rotina do cotidiano. Aquele era o final, pensou ele. E antes mesmo fosse apenas sonho, mas não. Faltavam poucos os dias para que aquele ano começasse a ser apenas uma lembrança, hora doce, hora acida demais na memória. Fechou os olhos e pensou com carinho naquele outro alguém que estava distante. Respirar, era essa a forma com que encontraram os dois para constantemente conseguirem eliminar aquela falta insegura de alguma coisa que parecia sem forma, nem cor, nem gosto quando estavam longe um do outro. Na boca um gosto qualquer se dissolvia, em meio aqueles tantos gostos já provados por ele, um inventor de sabores. Agora o que importava era aquele outro e aquela história que começava a ser rascunhada, todas as palavras e os gestos que começavam a preencher aquele vazio branco. Era isso que importava agora.

O encontro, não o real, porque esse ainda estava sendo ansiosamente esperado, aconteceu sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada. Nada além de talvez no máximo 140 caracteres digitados sobre qualquer coisa em uma dessas febres modernetes que cada dia ficam ultrapassadas pelo novo. Mas a gente sempre sabe quando encontra alguém diferente desses tantos outros alguéns. Se acreditassem os dois, diriam sorridentes que isso foi apenas uma questão de sorte. Mas não era sorte aquilo, isso, aquele encontro de opiniões era como o caminho correto a seguir. Bem-me-quer, mal-me-quer. Estavam certos que eram os únicos de uma geração inteira que ainda desejavam e acreditavam nesse sentimento já tão banal, que chamavam, da boca pra fora, os outros todos de Amor. E por isso se completavam.
Depois do encontro ambos expiravam para respirarem-se mutuamente, um ao outro. E trocavam felizes telefonemas inesperados, e mensagens de texto, durante tardes e noites. Enquanto um esperava pelo outro insuportavelmente felizes, se imaginavam perto e só queriam que esse perto se diminuísse cada vez mais em distancias. ‘That without you my sun doesn't shine’ cantava um em silencio, acompanhando o embalo da melodia doce de um diva americana, enquanto o outro ensaiava peças de teatro na busca de um personagem tão intenso quanto aquilo que sentia agora. Passavam assim os dias agora, ligados em si mesmo.

Era isso que importava agora, se repetiu ele, olhando agora praquele novo calendário cheio de fotos e expressões marcados pelo outro. Um presente cotidiano que agora podia ser compartilhado, desde as rimas até os sabores e os chás, e os objetos favoritos, os sentimentos. Expirou e respirou tão profundamente num só segundo, como se fosse mesmo possível em um único gesto eliminar todo a indicio sujo de saudade que começasse a surgir ali. Olhou novamente o novo calendário como que para confirmar, num gesto já repetido antes. Aquele era apenas o começo, pensou ao fechar os olhos. Tudo estava apenas começando, embora ao mesmo tempo tudo terminaria dali poucos dias. E nessa loucura em que se faziam as emoções encontradas com os sentimentos ele respirava, e respirava, e respirava, até o ar enchesse de coisas boas os pulmões, o coração, respirava, respirava, respirava.


Maycoll c.
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

pra poder d-escreve-lo.

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Complexo, ele se olhou no espelho.
via nele milhares de possibilidades, de seres.
Por fora a beleza comum aos olhos alheios,
Por dentro um coração encharcado de sentimentos ambíguos.
Ele se tocava e o espelho se partia em mil, em muitos dele.
Como que se o de dentro tivesse num estalar de dedos saído pra fora.
Percebeu que tudo estava mudando, não era mais possível colar pedaços.
Estava ficando adulto, essa era sua verdade.
O que ficava agora era apenas a moldura na parede.


Como pra disfarçar os sentimentos, ele dançava
Às vezes confuso, também se arriscava a pintar paredes
Rascunhar palavras perdidas em papeis esbranquiçados
Se sentia o príncipe do seu próprio planeta inventado
E era único, nas cores, nos olhares, no jeito despojado de tragar.
Homem dos olhos profundos, cheio de saudade do menino que ainda era.


- Eu preciso me plantar, eu sei! - Ele pensou ao fechar os olhos, enquanto o sol brilhava em uma tarde qualquer de primavera. Os pés descalços sobre a terra úmida e vermelha, como que pra criar raízes, ali mesmo, naquele pequeno espaço de terra, quadriculado em mínimos centímetros, bem no meio de uma cidade inteira de prédios, e buzinas e nuvens poluídas. Era preciso se segurar ali, mesmo que o tempo se fizesse inconstante, hora muitas chuvas, hora secas incontroláveis. Pra ele que sempre tinha sido passarinho, desse belos, de asas coloridas, de grandes vôos, era difícil assim, de uma hora pra outra ter de se criar raízes. Era preciso se preencher de alguma coisa. Como ficariam agora os países distantes sem que ele os visitasse, trazido pelos ventos? Ventos esses que sempre por mais que mudassem constantes de direção, sabiam sempre o caminho certo para indicá-lo. Era preciso aceitar que ele não era mais menino, não podia mais brincar com ventos. Era tempo de se decidir, de se deixar crescer, até o momento exato em que os frutos sadios brotariam dos galhos, e sem que ninguém os recolhesse cairiam podres no chão. Talvez era apenas medo o que ele sentia, talvez só lhe restava mesmo in-ventar.

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Na terra do coração passei o dia pensando...

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- coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.

Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Vega. Levam junto quem me ama, me levam junto também.

Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças nas janelas, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se põe. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.

Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - Aí de mim! Ai, ai de mim!

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam por destruir tudo.

Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.

Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar será feliz para sempre.

Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.

Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.

(Caio Fernando Abreu)
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

apenas uma carta a mais

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então eu posso fechar os olhos e me lembrar de tudo, como se o nosso último, até então e talvez para sempre único encontro, tivesse sido ontem, ou a horas, segundos atrás. A clareza com que me recordo do seu largo sorriso, do branco pálido da sua pele, das suas pupilas brilhantes me cegando intensamente. Também me lembro do seu cheiro, do seu toque. Das palavras em francês que cruzavam safadas e provocantes o caminho entre língua e dentes, até caírem sobre mim, pesada sensação de delírio. Às vezes me bate uma certa saudade, aí me lembro que uma vez você me disse que certas coisas tinham de ser esquecidas, e tudo passa. Mas me lembro, das conversas bobas, os amigos, as lágrimas... Eu chorei feito criança perto de você, uma, duas, três vezes talvez. Acho que jamais chorei tão pura e delicadamente por alguém. Tenho tantas lembranças boas ao seu lado. E pelo que conheço você pode pensar, mas esse blá blá blá todo só pra desejar feliz aniversário... Talvez, como disse você: eu sou utopicamente colorido demais. Eu quero chegar ao ponto máximo, mesmo sabendo que 2mC não é mais a “tal fórmula secreta do amor”, por isso talvez preciso dar voltas. Eu te odiei tanto, quanta raiva me subia quando gente discutia por coisas banais. Hoje eu penso que aquela era talvez a nossa maneira doce de se fazer presente, mesmo distantes.
Aprendi tanta coisa bacana com você, e sei também que você aprendeu algumas comigo. Eu aprendia gostar de Panic!, você ouviu Ivete, leu Caio F. Agora você será o cara que vai escrever o prefacio do meu primeiro livro. Isso pra mim não tem preço, é tão maior que tudo. E é disso que me lembro sempre, as coisas boas que ficaram. O sentimento de respeito (as diferenças?), o carinho, a certa atenção, a amizade. É engraçada a maneira como dividimos nossos problemas e confusões amorosas atuais e nos criticamos quase sempre humoradamente e sinceramente. Crescemos juntos, em pouco tempo, mas em gigantesca intensidade.
Sempre ouço aquela canção que você cantou pra mim e que diz: If I give up on you I give up on me. E penso que seja bem isso, não lembrar de você é não aceitar tudo que cresci ao seu lado e ainda tenho crescido. (a desculpa se você ta achando tudo isso um saco, vou ser prático daqui pro final).
A moral da história é que eu te admiro muito pelo menino que você ainda é, pelo homem que tem se formado, pelo amigo, pelo escritor, pelo publicitário... E por tudo aquilo que você se faz diariamente. E se eu posso desejar algo me especial, além de todas as coisas boas que desejo diariamente pra você, é amor. Pra você continuar sempre seguindo seus certos caminhos e conseguindo todo o resto, paz, amigos, sorrisos, viagens, grana...
Ai eu percebo que eu posso abrir os olhos, e tudo foi verdade e ainda é. Assim como você sabe que pode contar comigo quando precisar. Porque mesmo distante eu sempre estive e estarei perto!

os meus melhores e mais coloridos beijos

Maycol C.
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

“Têm sido assim meus dias. Sou mais feliz que 97,6% da humanidade, nas contas do professor Schianberg. Faço parte de uma ínfima minoria, integrada por monges trapistas, alguns matemáticos, noviças abobadas e uns poucos artistas, gente conservada na calda da mansidão à custa de poesia ou barbitúricos. Um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vive alheia nas frestas da realidade. Só assim conseguem entregar-se por inteiro àquilo que consagraram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, velado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo o que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar, sustenta Schianberg.
Não sei que nome você daria a isso.
Bem, não importa muito, chame do que quiser.

Eu chamo de amor.”

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, p. 229
de Marçal Aquino
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domingo, 11 de outubro de 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Qualquer coisa que se sinta.

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Senhores, quanto tempo faz que não sento aqui e escrevo coisas não tão secretas. Tenho escrito muito, literatura teatralizada. E o outro tanto que sai de mim em palavras posto no Twitter. Pensei que não me renderia, mas é tão prático e simples se expor assim, em 140 caracteres. Mas hoje, agora, nessa sexta que vem amanhecendo lenta, diante todos os outros planos do dia, me permitir ligar o som com minhas canções favoritas e escrever para vocês. Como uma carta, uma declaração de amor.
Ultimamente eu tenho vivido de teatro, não financeiramente, ainda, mas de emoções e prazeres. É tão mágico e contagiante ver aquela sua pequena história se transformar. Personagens, cenários, figurinos, objetos de cena, trilha sonora, iluminação, direção... Tudo é tão amplo, tão gigantesco, e tão... nessa hora eu me pergunto até que ponto os sonhos são mesmo para serem apenas sonhados.
Confesso que em alguns momentos chega a ser cansativo e até mesmo exaustivo, dormir e acordar louco, ficar horas sem comer, chegar ao ponto de se entregar o corpo e a alma toda ao personagem. Sim, chega um ponto em que a verdade é tão grande e tão você, que pra você pouco importa se vai chover, se é sábado, feriado. Parece mesmo loucura, mas me permito dizer apenas que isso é realização....
Não quero me alongar muito. Só quero curtir delicadamente essa mutação, do texto à cena. Dos meus diálogos digitados aos cenários luxuosos e aos personagens vivos. Quero mesmo poder abrir os olhos e acreditar que tudo é mesmo um sonho, tudo é mesmo realidade.

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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

e o povo fala mesmo

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Letras absurdamente colocadas nos lugares certo. Seguem a exatidão da palavra. Confessam e denunciam o abstrato. Sentimento direcionado contra o papel. A arma firme ao punho, ou ao toque do dedo. E o autor, Maluco Perfeito, a posto. Transcreve -se então ao papel. Coloca ti perante a ti mesmo. Admira, denuncia, sente, vive. Dando o toque da graça ao indiferente. Dando a risada proibida na hora inexata. Inexplicável em seu total, absurdo nos contextos e feliz, feliz sempre feliz.
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Marcelo Maia
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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O grande mistério da vida é descobrir que se morre todos os dias.
O sono é uma constante morte das coisas que deixamos para trás, o dia.
A cada dia temos que ser personagens e platéia de um grande espatáculo.
E por isso as mudanças são importantes, um dia de bruxa, no outro fada,um dia santa, outro puta. Então nada fica chato demais, o espetáculo muda de drama pra aventura, de comédia para o terror.
Ser herói todo dia é um trabalho de cão!
E é bem isso. Só sabem ser heróis de verdade aqueles que aceitam um dia serem vistos como bons vilões.
Por isso não sou anjo, em arcanjo, muito menos algum ser dito alado.
Sou apenas alguém que te entende, um poeta que te descreve, um maior abandonado.
Pra nos tornarmos imortais, a gente tem que aprender a morrer!
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Evapoar

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Era tarde, não da noite, da tarde. E embora o calor queimasse a pele, não era verão. Era algo próximo à primavera, ou então a qualquer uma das outras três estações do ano. Era também um tempo desses em que o tempo se modifica a todo instante. Até as chuvas que antes eram ditas de março, agora faziam parte do agitado calendário de setembro nesse tempo. E era, ou é, esse o meu melhor jeito de começar uma história, essa história, dizendo assim quase que len-ta-men-te que naquela tarde de quinta o suor molhava as calçadas, mas por dentro a saudade de sempre permanecia intacta.
Eles se conheciam há muito tempo. Embora o contato próximo existisse há apenas uma, duas, três semanas talvez... Sempre se entreolhavam ao se cruzarem vadios pelos corredores, ruas, shoppings, parques e por todos os espaços daquela cidade suja. E talvez por medo de um, solidão exagerada do outro, ou quem sabe caso antigo, ou qualquer coisa assim, só agora, a poucas semanas o “grande encontro” aconteceria. E com ele mudariam as cores, os sabores de boca provada, o perfume do dia seguinte... as esperanças. Aquele era o momento mais exato para uma possível aproximação, e quem dirá um possível começo de história. Que ao contrario dessa história, não começaria com – Era tarde.
O que ficará do encontro era vivido e mantido diariamente pelos inúmeros pensamentos que mantinham um pelo outro. As mensagens trocadas, os telefonemas. As formas delicadas de mostrarem interesses mútuos e crescentes.
Naquela tarde o calor só fazia aumentar a saudade e a falta e a esperança de acreditar em tudo... A cada novo instante a pele se transformava em água, e sal, suor. Neles só iam ficando o começo de sentimento bom e as lembranças daquele encontro. Todo o resto seria transformado em líquido, derretido, vapor humano. E bem provável que se virassem mesmo nuvem e depois chuvas, completando aquele velho esquema do ciclo da água, virariam chuva de bolinhas azuis. De um azul daquele que o céu se veste exatamente as seis horas da tarde, enquanto a cidade se agita em gritos pela caída da noite. Delicadamente, uma chuva de bolinhas (talvez de ping -ong?) azuis.
O maior deles, - porque era assim, meu pequeno, que ele docemente tratava o outro - caminhava pelas ruas enquanto se derretia leve, gota por gota. O outro – pequeno – tentava evitar o suor com ar fabricado enquanto se ocupava de tarefas remuneradas e às vezes estressantes. Assim se passavam os segundos, as horas. E a cada corrida nova do relógio, o pensamento mútuo crescia, ambos pensavam um no outro quase que compulsivamente.
Foi ai então que por um instante um deles fechou os olhos e disse como quem se desaguava em loucura e medo da solidão
– Eu te quero muito bem, nesse exato momento. Eu te quero muito bem!
E como uma espécie de mágica, ou premonição, ou qualquer que seja dessas ligações astrais, o outro pode ouvir e sentir bem o que o outro dizia. Mesmo distantes. Estavam ligados.
Desejaram juntos se derreter em suor, antecipar encontros. Virar chuvas sem estações definidas, mares gigantescos. Juntos. Evaporar..
Maycol C.
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- Você não ia fugir comigo?
- Ia -disse a menina mordendo a cocada. E ai!
O espaço branco da fome cintilou dentro dele.
- Esperei você até agora. Por que que você não foi?
- Por causa do aniversário, ué.
- E o que que tem isso?
- Tem que fugir a gente pode todos os dias, mas
aniversário é só de vezenquando.
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Se eu dissesse que vejo borboletas coloridas saindo do meu cabelo diriam delicadamente que estou ficando louco, por esse motivo as vezes prefiro me calar!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Que tal terminar uma história...

Senhores, começei essa história hoje, mas decidi deixar para que vocês terminem ela..
Então se divirtam.. e sugiram títulos!


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Dentro daquele inicio de tarde caberia um dia todo. Se não fosse a constante massa de calor que dominava o ambiente, fazendo as pessoas transpirarem compulsivamente e também toda aquela ressaca moral que vinha se arrastando desde o segundo inicial em que o relógio bipou seu inicio de manhã. Segunda-feira e uma sala toda para ser dominada. Dominar: era esse o verbo que melhor lhe descreveria na sua função de educadora. Uma classe com trinta e mais alguns pré-adolescentes, puberdade explodindo nos poros da pele e ela como a grande...

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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

QUANDO SETEMBRO VIER

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De tão azul, o céu parecerá pintado. E nós embarcaremos logo rumo à ilhas Cíclades.Houvesse cortinas no quarto, elas tremulariam com a brisa entrando pelas janelas abertas, de manhã bem cedo. Acordei sem a menor dificuldade, espiei a rua em silêncio, muito limpa, as azaléias vermelhas e brancas todas floridas. Parecia que alguém tinha recém pintado o céu, de tão azul. Respirei fundo. O ar puro da cidade lavava meus pulmões por dentro. Setembro estava chegando enfim.Na sala, encontrei a mesa posta para o café — leite e pão frescos, mamão, suco de laranja, o jornal ao lado. Comi bem devagarinho, lendo as notícias do dia. Tudo estava em paz, no Nordeste, no Oriente Médio, nas Américas Central, do Norte e do Sul. Na página policial, um debate sobre a espantosa diminuição da criminalidade. Comi, li, fumei tão devagarinho que mal percebi que estava atrasado para o trabalho. Achei prudente ligar, avisando que iria demorar um pouco.A linha não estava ocupada. Quando o chefe atendeu, comecei a contar uma história meio longa demais, confusa demais. Só quando ele repetiu calma, calma, pela terceira vez, foi que parei de falar. Então ele disse que tinha acabado de sair de uma reunião com os patrões: tinham decidido que meu trabalho era tão bom, mas tão bom que, a partir daquele dia, eu nem precisava mais ir lá. Bastava passar todo fim de mês, para receber o salário que havia sido triplicado.Desliguei um pouco tonto. Então, podia voltar a meu livro? Discreta e silenciosa como sempre, a empregada tinha tirado a mesa. No centro dela, agora, sobre uma toalha de renda branca, havia rosas cor de chá, aquelas que Oxum mais gosta. No escritório, abri as gavetas e apanhei a pilha de originais de três anos, manchados de café, de vinho, de tinta e umas gotas escuras que pareciam sangue. Reli rapidamente. E a chave que faltava, há tanto tempo, finalmente pintou. Coloquei papel na máquina, comecei a escrever iluminado, possuído a um só tempo por Kafka, Fitzgerald, Clarice e Fante. Não, Pedro não tinha ido embora, nem Dulce partido, nem Eliana enlouquecido. As terras de Calmaritá realmente existiam: para chegar lá, bastava tomar a estrada e seguir em frente.Escrevi horas. Sem sentir, cheio de prazer. Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado naquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora. Os passaportes estavam prontos, nos encontraríamos no aeroporto: São Paulo/Roma/Atenas, depois Poros, Tinos, Delos, Patmos, Cíclades. Leve seu livro, disse. Não esqueça suas partituras, falei. Olhei em volta, a empregada tinha colocado para tocar A sagração da primavera, minha mala estava feita. Peguei os originais, a gabardine, o chapéu e a mala. Então desci para a limusine que me esperava e embarquei rumo a.
PS — Andaram falando que minhas crônicas estavam tristes demais. Aí escrevi esta, pra variar um pouco. Pois como já dizia Cecília/Mia Farrow em A cor púrpura do Cairo: “Encontrei o amor. Ele não é real, mas que se há de fazer? Agente não pode ter tudo na vida...” Fred e Ginger dançam vertiginosamente. Começo a sorrir, quase imperceptível. Axé. E The End.

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Caio F. Abreu
O Estado de S. Paulo, 27/8/1986 - In Pequenas Epifanias
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Ps: Já postei esse texto aqui, mas vale uma repostagem. Afinal é Setembro e seja qual for o mês do ano, estamos sempre esperando setembro. Que tudo volte a florescer e fique mais colorido. Muhzito, esse vai pra você!
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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Une petite histoire d'amour

Para ser lido ao som de Thigo Pethit - O último a saber

Era segunda-feira, ou terça, quarta, quinta talvez. Não se lembrava bem o dia exato, certeiro. Sabia apenas que aqueles dias corridos eram de uma semana de agosto. Final, embora fosse apenas o começo, aqueles dias eram marcados por serem os representantes legais do final do mês. Olhou a correspondência, as contas vinham de todos os lados para se juntarem aquelas tantas outras que se espalhavam pela geladeira. Pregadas com imãs coloridos, como que pra disfarçar a aflição, era tudo como um grande mural de subtrações financeiras a ser admirado. No meio de todos os papeis somadamente embrulhados que chegaram de longe havia uma carta. L'amour de ton future – era essa a assinatura que marcava de tinta preto o envelope com um tom meio vintage. Ele resistiu a tentação, afinal, no fundo aquele amor que agora estaria em Paris, Buenos Aires, Guatemala, Londres talvez, não importa onde, onde quer que ele estivesse estava distante, muito distante do tão perto que ele já tinha estado um dia. Encaminhou as contas até a geladeira, repartindo os imãs que eram poucos diante todas as dividas e colocou o envelope no bolso da calça. Era cedo demais para se arriscar assim, preferia se afundar nos tangos urbanos, pelas ruas sem destino, fumando seu cigarro em suspiros lentos, como quem baila apenas pelo admirar da melodia.

A noite vinha cobrindo o céu, um cinza pálido, um tanto quanto de poeira, outro tanto de tédio, caia lentamente sobre seus passos no asfalto. Ele era acostumado a caminhar, voar livre dento de uma gaiola que era apenas sua. Mas dessa vez a carta que carregava no bolso dava um peso a mais as estrelas que desabavam do céu. Hesitou em pegar o envelope: papel amarelado com tinta preta de caneta. As mãos permaneciam geladas, suadas de uma maneira tão forte que qualquer toque mais profundo seria capaz de despedaçar todas as palavras. Tudo voltaria ao pó. E ele apenas caminhava. E pensava em quanto tempo fazia que ele não recebia uma carta assim, escrita ainda com tinta fresca que não fosse dessas que saem das impressoras. E percebia que tinha desaprendido o jeito, que tinha desaprendido a escrever cartas de amor, a dividir esperanças. Na verdade ele nem sabia mesmo e mais o que era esperança, dividir, amor, todas essas três e mais uma infinidades de palavras ele nem sequer fazia questão de lembrar. Já andava só fazia um tempo, e fosse qual fosse o tempo, sol, chuva, sempre se deixava levar pelo vento. Bastava fechar os olhos, sentir o vento bater e, então, ele podia estar em qualquer lugar, ainda bailando lento e leve naquele tango argentino, que por rima fácil ele aprendera a gostar com o pai desde menino.

Ele caminhou até que o dia começasse a arder nas pupilas. O sono se esfregava vermelho nos olhos. As olheiras competiam espaço no rosto com a barba por fazer e o grosso traço preto das sobrancelhas. Parou num botequim qualquer e de lá, vendo o sol nascer, pediu um café, amargo, forte. Para acompanhar acendeu mais um cigarro, soltar fumaça era como se aliviar, ou se castigar inconscientemente por todas as culpas que ele listava até então, e que cresciam rápidas em goles pequenos. Tirou a carta do bolso, encarou o envelope por alguns segundos, como se fosse o último a saber; que por algum tempo ele esteve ali, perdido no bolso da calça. Uma disputa entre o amor e o medo. Abriu o envelope e já na primeira linha, depois de um gole no café quente e uma profunda tragada no cigarro pensou – Tudo vai mudar.

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Senhores esse texto foi totalmente inspirado na música de Thiago Pethit.
Eu enviei o texto a ele, que gentilmente respondeu meu e-mail dizendo ter gostado e estar feliz por sua música me servir como fonte de inspiração.
Então para os que ainda não conhecem, vale muito apena conhecer o som de Le Pethit, e de todos os Novos Paulistas (post anterior).
http://thiagopethit.com/
Quero agradecer o carinho dele e de todo mundo.
Beijos

Maycol C.

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sábado, 22 de agosto de 2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

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eu desde que te vi, assim meio de longe, incerto
já sentia algo diferente, coisa de poesia, sim
me fugiam as rimas, coração longe de ti estava deserto
agora tudo com você perto é mais cor, sei mais de mim
então a gente pode colorir agora, isso é mais que certo
e não vai ter tempo sem cor, porque eu estarei com você e fim!
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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Por todos os segundos de agosto

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Eu deveria cantar, mas por não entender bem de tons, notas musicais e melodia, me cabe apenas escrever ou colorir! - Pensou ele enquanto o céu ficava branco, era agosto e embora o dia anterior não tivesse sido de primeira, também era segunda, e segunda todo mundo sabe como é. As sentimentalidades do final de semana se derramando lentas, gosmentas, tédio açucarado no café pra curar os amores não correspondidos e as lágrimas não salgadas de pó que ele não chorou nunca mais por alguém, ou por ninguém.
Agosto era pra ele um mês de bom gosto, embora o único gosto que ainda predominava na sua boca larga era o do café, tomado com gosto, naquela tarde de inverno quente. Faltava poucos dias para que ele completasse 25 anos, para ser mais exato faltava de fato nove ou dez dias. Ele nunca foi muito de contas, números, só lhe interessava mesmo a música, a literatura e o colorido, o colorir. Por isso também já nem acumulava muitos sonhos.
Ligou o som, pegou giz de cera e papel em branco na gaveta, se sentou. Até arriscou cantarolar uma ou duas palavras, que depois se fizeram frases. Não tinha inspiração para começar assim delicadamente a rasgar o branco do papel com qualquer pingo que fosse de cor ou grafite escrito. Observou os lápis, as cores, o papel que gritava por uma cicatriz qualquer que fosse. Qualquer sentimento pra sujar o branco, qualquer coisa que o livra-se daquela solidão de ser papel sem pauta.

Papel em branco
faço poesia para te modificar
Solidão que não existe
Cor que modifica, vem cicatriz-ar
Pra tudo ser diferente poesia não resiste
Vento de poeira colorida, cantar!
 
Ele rabiscou intenso a poesia no papel, pegou dos lápis a cor e começou a colorir. Coloriu todos os espaços em branco do papel e de todos aqueles sentimentos em branco que ainda habitavam o seu corpo, frio, remoto. Nas paredes da casa foram surgindo desenhos abstratos, concretos de cor, tudo ali era poesia que por mágica, mágia, poderia virar canção. Ele cobria os espaços, os cantos, chãos e tetos, pedaços. A noite veio caindo do calor ao frio, enquanto isso as janelas sopravam as cortinas a bailar, cheiro de vida nova, de obra de arte.
Os muros todos gritavam cores não escolhidas, desenhos não revelados, canto, palavra, sexo, sorriso. Tudo era misturado, sem ordem, sem nexo. Agosto, agora tudo tinha além do café amargo um novo gosto. Ele olhou o pó de giz espalhado pelos cantos, as paredes coloridas, as folhas em branco e pensou - Eu seria capaz de escrever uma poesia por segundo pelo resto das horas que ainda faltam pra terminar o mês!

Maycol C.
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sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Entre Pedro e Parede

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Não tinha lugar, não tinha chão
Luz de poeira pintando o som
Outros caminhos, outro novo lugar
Sorrisos e olhares se perdem, se encontrar

Entre Pedro e a parede, eu
Sentimentos, junção do dele e o meu

Poesia se fez, tatuagem pra marcar
Madrugada fria, jeito delicado de fumar
História de quem não acredita em destino
Homens ainda pouco tempo atrás que eram meninos

Entre Pedro e a parede, vontade de ficar
Deixar o tempo correr solto, dormir e não acordar

Viagem de coisa que fica pra sempre na gente
Lembrança doce, coisa que nem sempre se sente
Relógio que bipa, e o tempo não parou
Juntar restos, guardar no boldo o que ficou.

Entre Pedro e a parede, espaço sem fim
Sentimento que cresce, coisa boa guardada em mim.
 

Maycol C.
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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sugestões para atravessar Agosto

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Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro - e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos - ou precauções-úteis a todos. O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade...Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo ZAP!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques - tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas - coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.
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Caio F. Abreu
Publicado no jornal Estado de São Paulo em 06/Agosto/1995 e no livro ¨Pequenas Epifanias¨

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Frag(senti)mentos

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E agora? O que acontece quando não se tem mais nada com o amor?

Quase ele levou de novo a mão no bolso para pegar o cigarro, onde fumara o último?

- Sopra o vento e a gente vira outra coisa.

- Que coisa?

- Sei lá. Não quero é voltar a ser gente, eu teria que conviver com as pessoas e as pessoas - ele murmurou.

- Queria ser um passarinho, vi um dia um passarinho bem de perto e achei que devia ser simples a vida de um passarinho de penas azuis, os olhinhos lustrosos. Acho que queria ser aquele passarinho.

- Nunca me teria como companheira, nunca. Gosto de mel, acho que quero ser borboleta. É fácil a vida de borboleta?

- E curta.

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(Lygia Facundes Telles)

sábado, 25 de julho de 2009

Dos caminhos que eu não sei

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"Pois é. Mas hoje eu até queria. Como quase nunca quero. Como quase nunca peço. Tentei e insinuei, mas minha força anda fraca. As circunstâncias me laceram e não me apraz esse apanhar, esse perder lugar. Não sei mesmo que caminho seguir. E o pior que nem é nervosismo o que estou sentindo, nem indignação, só paira sobre mim uma nuvem escura de fumaça e dúvida, sensação de perda de tempo, de resignação, até esperança tem me habitado nesses últimos dias. Esperança. Em mim. Irreconhecível. Ou trouxa."

Foi assim delicadamente com esse trecho de Caio F. que eu decidi começar o post. Tudo isso porque hoje ao pegar o jornal me deparo com a notícia de que a faculdade em que eu estudo não terá mais o curso de graduação me jornalismo. Ok, não vou ser um maior abandonado sem faculdade, é claro que quem já esta cursando a graduação vai ter o direito de terminar “tranquilamente” todos os períodos ainda restantes. Mas, o que me perturba é o fato de saber que Sim, a profissão que eu escolhi pra ganhar o meu pão de cada dia vem sendo banalizada e ser jornalista daqui uns dias vai significar quase ou mesma coisa que “nada”. Claro, não acho que tudo se aprende no bando da faculdade, eu mesmo quebrei muito a cara correndo atrás de fontes e mendigando notícias na rua, nas tais ditas “atividades práticas”. Mas mesmo assim dói saber que eu e meus amigos poderemos mesmo ser os últimos daquela universidade a receberem o diploma de comunicólogos.
Há tempos uma idéia de mudar, respirar novos ares, vem me habitando a mente. Com essa decisão da “queda” do meu diploma as últimas semanas foram dark, no mais escuro sentido da tradução. Chegar aqui, no meio de uma faculdade, aos 20 anos e de repente perceber que tudo pros outros vai ser apenas “papel”. Eu confesso que já chorei muito de uns tempos pra cá, por isso tudo. E não tenho vergonha de assim abertamente declarar isso aqui. Acho que isso me faz forte e me mostra que realmente estou certo da profissão que escolhi e do que quero delicadamente pro meu futuro.
Hoje não consigo pensar em mais nada, preciso ficar quieto, pensar quais serão as melhores escolhas e quais caminhos seguir. Só ainda não entendi porque tive de abrir o jornal, logo cedo, me preocupar com as noticias, enquanto o sol vem esquentando lve o dia além da janela e das paredes ainda frias da noite. Como um bom principiante à jornalista me lembrei de uma coisa importante: Nem todo mundo gosta de aparecer no noticiário!

MaycOl C.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

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Ontem quando a noite veio, vi um vagalume perdido no meu jardim.No começo não sabia ao certo se era mesmo um vagalume, ou uma estrela caida do céu.Mas depois de algum tempo observando não tive dúvidas.Ele piscava uma cor amarelo brilhante, uma luz que me cegava os gestos...Não sei explicar ao certo, mas foi algo mágico aquele momento.Hoje quando acordei olhei pro céu e vi que tudo estava mais azul.

MaycOl C.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Sentimentos Curtos

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O vento ventania vira
Vira o tempo, noite clareia vira dia
Folha viaja pelo tempo
É o vento!

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Aquele que transforma cor em colorido
e que faz do vento ventania
assim, leve
assim, grande.
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enquanto a poesia concreta não surge, assim
eu venho aqui te deixar palavras minhas de perto
com jeito de quem não quer você perdido de mim.

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sábado, 11 de julho de 2009

Nada melhor pra curtir as férias que um teatro...

Ou então um


Ps: Logo mais venho aqui contar dos espetáculo que vou assistir e da empolgação que ando sentindo.. rs

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

É que nós escritores...

"...nossa necessidade fresca & neurótica de elaborar sofrimentos e rejeições e amarguras e pequenos melodramas cotidianos para depois sentar Atormentado & Solitário para escrever Belos Textos Literários.
O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive através de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável. Você me dizia “que diferença entre você e um livro seu”. Eu não sou o que escrevo ou sim, mas de muitos jeitos. Alguns estranhos..."


Caio F.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

FicaDica

Caio Fernando Abreu foi uma das mais importantes figuras da literatura brasileira contemporânea. Jornalista polêmico, intenso, sarcástico e genial em seus escritos, foi grande amigo de Paula Dip, com quem conviveu durante 20 anos e a quem dedicou um conto no seu clássico Morangos mofados. A autora reúne cartas, bilhetes e particularidades que dividiu com o escritor, além de depoimentos de pessoas importantes na vida de Caio, como Cazuza, Ney Matogrosso, entre outros. O resultado é um emocionante relato de quem acompanhou de perto o mundo do “Escritor da Paixão” (como o definiu Lygia Fagundes Telles) até sua morte precoce, aos 47 anos, vítima de aids.

Livro: Para sempre teu, Caio F.
Autor: Paula Dip
Gênero: Biografia/ Memória
Páginas: 504
Preço: R$ 63,00
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Andei pensando coisas...

...o que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O nunca mais de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter nunca mais quem morreu. E dói mais fundo- porque SE PODERIA TER, já que está vivo(a). MAS NÃO SE TEM, NEM SE TERÁ, quando o fim do amor é: Never.

Caio F.

domingo, 28 de junho de 2009

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"Só agora eu sinto que a minhas asas eram maiores que as dele, e que ele se contentava com o ares baixos: eu queria grandes espaço, amplitudes azuis onde meus olhos pudessem se perder e meu corpo pudesse se espojar sem medo nenhum. Queria e quero — ainda. Voar junto com alguém, não sozinho. Mas todos me parecem tão fracos, tão assustados e incapazes de ir muito longe. Talvez eu me engane, e minhas asas sejam bem mais frágeis que meu ímpeto. Mas se forem como imagino, talvez esteja fadado à solidão"
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Caio F.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Lápis de colorir vento!

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Olá meus senhores, como estão?
Por aqui anda tudo meio confuso.
Acho que parte dos senhores que se informa e andou passando aqui no blog por esses dias sabe bem o que anda acontecendo.
Eu prometo ainda vir aqui e esclarecer melhor as minhas opiniões e os meus sentimentos sobre tudo, mas ainda não consigo.
Vamos ao que interessa...
Hoje vou postar um texto que ganhei de presente de uma pessoa que eu admiro e gosto muito. Um cara que eu conheço não muito tempo, mas que parece meu amigo de infância. O texto foi presente por que foi o primeiro escrito por ele depois da minha “influencia Caio Fernando Abreu” sobre a sua obra literária.
Então ficam aqui os meu mais puros e coloridos agradecimentos a Rafael pela delicadeza e pela magnífica literatura que ele tem feito.


Aos que nunca bocejam

Falam por aí, em ruas limpas e cidades vizinhas, que houve uma vez em que um garoto partiu numa jornada pra ver o vento. Sentir o vento ele podia sempre, mas queria um contato mais exato do que o bagunçar dos cabelos.
Na manhã úmida, o garoto preparou uma mochila cheia de coisas sem cor, perdidas entre canções que aprendera gostar a pouco, vindas dos fones de ouvido. Não contou pros pais sobre a viagem, mas muitos amigos foram privilegiados com a história.
Quando saiu de casa, deixando uma quebra de ritmo em sua vida planejada, viu o azul bonito do céu e os algodões fazendo as vezes de nuvens, tentando imitar formas conhecidas. Sentiu o vento passar-lhe de leve, plastificou um sorriso durável última geração e foi.
Tomou um ônibus, outro, mais um. Perdido em malhas rodoviárias de asfalto preto, viu casas, prédios, grama. O céu, o tempo todo. Sempre com a janela aberta, sentindo a ventania forte compassada com o ritmo frenético da ansiedade. Não estava sozinho, mesmo a poltrona ao lado estando vazia.
A espera milenar do ônibus que não chegava veio a calhar: colocou pensamentos em ordem, analisou decisões, refez os planos pra rimar com os seus. Trazia os sonhos pra somar aos seus.
Cantou baixinho aquela música verdinha, uma duas três vezes, quatro até.
Rabiscou alguma cor nos objetos descolores, mas não estava satisfeito. Um céu tão bonito, umas árvores de galhos tão distintos, e ele ali tentando em vão fazer um mundo colorido numa folha branca de papel amarrotado, justo quando mais via cor pela janela.
Sentiu o ônibus parar e o coração disparar. O medo freou-lhe a garganta, a voz sumiu. E se o vento não gostasse dele? E se não fosse bom o bastante? E se ele...
...esquecesse essas dúvidas infundadas? Quando viu o vento e sentiu-o envolvê-lo em um abraço desejoso de infinito, parou de pensar. Cérebro é coisa de gente sem cor.
E assim não viu o tempo passar. O vento tinha um cheiro que ele não identificava, que não trazia lembranças descolorantes, que não pertencia a passado incolor. Era a letra maiúscula do parágrafo seguinte.
O sorriso tinha se desplastificado e pintado uma nova coisa, que não pode chamar-se sorriso, no que desvalorizaria o que ela realmente é. Como dar nota dez pra uma prova nota onze.
Não queria que o vendaval terminasse, mas despedia-se de uma vida de verdade com a promessa de pintar a sua vida de mentira e aproximá-la do vento, que parecia tão incomum quanto era. Naquela época não sabia pra onde o vento ia e não se sentia no direito de sugerir.
Apenas foi.



FicaDica - Visitem o Blog´s do Rafa: http://cachecolog.blogspot.com/
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segunda-feira, 22 de junho de 2009

Se a gente já não sabe mais rir um do outro...

então o que resta é chorar!






PS: Crédito aos grandes chargistas desse país!
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Vale apena postar de novo..

Sentimentos Sujos

Ultimamente os sentimentos todos têm se misturados, doces e salgados, aqui dentro.A garganta dá um nó, a boca seca, os olhos brilham, as lagrimas rolam livre face abaixo, até molharem os pêlos curtos da barba não feita há dias.Ele olha o relógio, conta os números por ordem decrescente, e respira, mesmo sem querer viver, ele respira pra sentir o ar frio matando dentro do seu corpo aqueles anticorpos da vida.Um banho de chuveiro pra lavar os cabelos, como se quisesse que junto com a sujeira a água levasse todos aqueles sentimentos sujos que alojavam a sua mente congestionada de um sábado a tarde, de um dezembro meio nublado e de um fim de ano confuso. Ele queria tudo escorrendo ralo abaixo.Ensaiava em frente ao espelho. O bem, o mau, o colorido, o sorriso largo, a cara de pidão. Ele tinha mil faces, sabia atuar como nenhum outro ser, mas seus olhos castanhos te entregavam por inteiro. Por mais que ele tentasse, e olha que ele tentou meditação, samba, telefonema noturno, mas não tinha jeito. O seu ser era cheio por fora, mas por dentro uma escuridão solitária explodia em si, meio que uma vontade de não querer viver mais. Sua pupila era intensa, raio laser, luz de néon na madrugada, brilhante, seca, fria, profundamente o que ele escondia ser de todos.Lia história de príncipe encantado antes de dormir. Às vezes uma confusão sublime o perturbava, ele nunca se decidia entre querer ter um príncipe ou querer ser o príncipe. Ele era confuso sexualmente falando, mas sabia amar como ninguém. Há, o amor era o que lhe fazia inventar histórias, onde na maioria das vezes ele era o personagem principal, sem nome, sem endereço.

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sábado, 20 de junho de 2009

Perdido no vazio de outro espaço

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Foi como se em dia de inverno gelado (aquele em que se faz mais frio) pegassem um balde de água gelada e jogassem em cima de todos os meus sonhos.

PS: A cada dia mais me recuso a viver em um país onde os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal acham que jornalistas são cozinheiros e que qualquer um tem capacidade de fazer da noticia o que bem entender. Eu só queria mudar de país, de continente, de planeta quem sabe!

quinta-feira, 18 de junho de 2009


Que tal fazer uma reportagem sobre a minha vida?

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Sim, eu sei que como estudante de jornalismo preciso falar alguma coisa aqui sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou a obrigatoriedade do diploma do Curso de Jornalismo. Mas sinceramente, eu não consigo dizer nada demais, não agora. Nem com água ou conhaque essa gosma desce bem. Ainda vai demorar um tempo até que ela se dissolva. Difícil fase essa. Digestão!

PS: Parabéns a você caro leitor, que agora poder ser um jornalista sem ao menos ficar quatro anos estudando em uma faculdade por um diploma que tanto faz tanto fez nesse país filho de uma puta. (perdão pela expressão). Mas, fazer oque. Tudo anda tão banalizado mesmo!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

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PS: Esse blog precisa de um post novo urgente!?

PS2: Final de semestre a coisa pega, daqui duas semanas as férias vem me visitar, ai prometo postar diariamente!
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segunda-feira, 8 de junho de 2009

A paisagem vista da janela

Olá meus senhores, como estão?
Ah, tudo anda tão colorido por aqui.
Muita coisa boa tem acontecido, muita gente legal tem entrado na minha vida.
E ainda tanta coisa tem pra mudar, crescer, cores novas nas paredes...
O poema de hoje foi feito em parceria, tudo bem que a minha “parceria” se faz apenas com duas ou três frases do poema todo mas...
Levando em conta que a idéia inicial era fazer um Haikai.
O dono da parceria foi Viny, gente boa demais Vinicius, amigo meu do Rio de Janeiro.
(aquele cara que que fez o CD novo da Ivete Sangalo vazar na net.. rs)
Mas, enfim é isso, logo eu volto pra falar das outras tantas coisas que merecem ser ditas por aqui, por enquanto é isso..


PS: Vinysus (rs) valeu pela parceria garoto!



JANELA

A noite que arde em mim
É muito longa
As horas escorrem tremulas
Pelas curvas do Relógio,
lentamente,infinitamente...

Da janela vejo a lua refletir,

É tão real, que chego a ouvir sua voz
Brinco com seus sonhos, faço parte deles
Talvez porque também sejam eles os meus
As certezas não são tão claras
e as cores bailam perdidas sobre a luz negra
Dois espaços que se encontram calmos

Sonhamos juntos, a lua e eu
Queria ser a sua estrela,
Pra compor no céu a mais bela melodia
Enquanto esperamos juntos o amanhecer

Amanheceu,
O sol atravessa o vidro
vem tocar meu corpo inerte
Passo o dia a espera de ti, noite
lua, sonho meu...




-> Beijos pra quem for de beijo e abraço pra quem for de abraÇO!

sábado, 30 de maio de 2009

Das cartas que não são de baralho!

- Para ser lida ao som de Northern Downpour do Panic! at the disco.
Destinado àqueles que nunca bocejam!

Tudo o que você vai ler aqui não passa de sentimento humano, misturado a mágica literária e um pouco de ficção. Tudo aqui é apenas o risco que se corre entre ficar em silencio ou dizer o que se sente bem ao fundo...

Existe em nós um ponto morto de delicadeza. Um espaço frio entre as costelas e o coração. Um espaço que dorme calado, solitário em meio a tudo que vemos com os olhos de fora. Sim, pois não sei se você sabe, mas existe uma diferença profunda entre os olhos de fora e os olhos de dentro. Assim como você sabe que existe diferença entre o outono e o inverno, embora todas as tardes sejam frias e solitárias, mesmo com um céu intensamente azul e brilhante de uma luz dourada.
Esse espaço é algo só nosso. Como um troféu que juntos conquistamos depois de enfrentar diversas batalhas. Ate chegarmos aqui, exatamente nesse ponto. Me soa engraçado saber que esse é exatamente o ponto, porque eu nunca fui desses caras que sabem a hora certa de dizer e tomar certas atitudes. Talvez por isso esse nosso espaço hoje é maior do que deveria ser.
Esse espaço é um paraíso de coisas não visíveis. Um lugar limpo, onde a calma se envolve num ritual profundo com a paz, com a gente mesmo. E talvez por isso esse espaço me doa tanto, e talvez doa em você também, penso eu. Por ser tão branco, tão provocante, por ser algo não digno de um ser talvez sujo demais para ainda creditar que tudo tem jeito.
Se algum gesto, alguma palavra ou poesia ousasse a descrever esse nosso espaço mágico, tudo lá mudaria de cor. O branco intenso seria tomado por tons azuis, vermelhos, verdes profundos e provocantes. Uma sujeira de cor deixaria tudo ali bem mais vivo, bem mais perto de nós mesmo. Eu mais perto de você, em cores. Seria esse o despertar perfeito de um sono profundo, de um espaço tão único que apenas nós sabemos como é.
Quero delicadamente e deliciosamente, assim, em um começo tão indefinido por palavras de poesia, que tem sido muito bom e aproveitável todas as inspirações eu você me faz sentir. E quero dizer também, que você em mim, meu querido, não é esse espaço em branco, você em mim é essa sujeira colorida. Por isso sempre, prefiro acreditar nas cores....


Pra ti, os meus mais sinceros beijos e abraços!
Maycol C.

Mas eu sempre Caio em mim...

Olá Senhores, como estão?
Por aqui a vida anda tão corrida.
Milhares de sonhos têm bailado coloridos pelo ar, como se tudo não passasse de uma noite de rock sem fim.
Estou passando pra dizer que tenho saudades de vocês, de vir aqui e escrever e escrever.
E também pra deixar alguns trechos (de como sempre) Caio F. Abreu!
Logo eu volto pra postar mais...



"De uma beleza cegante, só concedida aos que - como ela -têm a coragem de jogar-se nas aventuras do amor. Que também pouco importa, pode ser real ou ilusório."

"Tudo isso me perturbava porque eu pensara até então que, de certa forma, toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos."

'O que eu queria era alguém que me recolhesse como um menino desorientado numa noite de tempestade, me colocasse numa cama quente e fofa, me desse um chá de laranjeira e me contasse uma história. Uma história longa sobre um menino só e triste que achou, uma vez, durante uma noite de tempestade, alguém que cuidasse dele.'

"Imaginou a cidade lá fora, com gentes falando sempre alto demais, sem parar, entrando e saindo de lugares, bebendo, comendo coisas, pagando contas, dançando alucinadas, querendo ser felizes antes da segunda-feira: urgente."

“Faço o papel sem dificuldade. A água flui, vai para a frente. Isto também vai passar. Mas não compreendo. Então um lado meu pensa: é sina, é fado, é destino, é maldição. Outro lado pensa: não, é mera neurose, de alguma forma sutil devo construir elaboradamente essa rejeição. Crio a situação, e ouço um não. Desta vez, eu tinha tanta certeza. E penso: os deuses me traíram, os búzios me atraiçoaram, as cartas me mentiram. E me sinto velho e cansado, e tiro toda a roupa preta guardada nos armários — e tudo não deixa de ser teatral, meio engraçado. Mas há também uma dorzinha verdadeira no fundo.”

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sábado, 23 de maio de 2009

ontem caminhando pela neblina da manhã uma pena negra caiu sobre meus pés...pensei ser o anjo negro retornando de um dos seus voos noturnos.

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terça-feira, 19 de maio de 2009

"Acabei me entristecendo com as coisas que escrevi. As verdades, porque as mentiras não entristecem."

Por isso há tempos não escrevo...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

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Senhores meus, como vão?
Ah, tanto tempo sem escrever algo puramente meu por aqui.
Mal sabem os senhores como os dias estão corridos, as horas têm voado líquidas sobre os ralos do cotidiano. Eu ultimamente tenho vivido um total descontrole de tudo. E acho que isso é realmente o que tem feito de mim cada vez melhor, cada vez querer ir mais e mais a diante, sem ter medo de cair, me esfolar todo no chão, depois levantar, passar mertiolate e continuar andando, simples, viril.
Muita coisa tem me incomodado há algum tempo. Desde a incerteza cruel (mesmo depois de um ano é meio) se escolhi a profissão certa, essa que hoje, mesmo ainda não formado, me parece tão diferente daquela que vejo escrita nos jornais, ou vomitada diariamente por todos os canais de TV. Talvez meu escrever se limite apenas as histórias de fantasia, aquelas que eu posto sempre aqui. Aquelas em que o final, os personagens e as dores, quem decide sou eu, uma hora demente, outra bobo da corte, princesa abandonada. As coisas reais são banais demais pra me levarem pelo caminho que eu desejo. Prefiro o lamentar dos dias de tédio, ao sangue que corre frio pelas noticias popularmente digeridas como sobremesa de um banquete real.

Tenho mudado muito. Embora eu saiba que não se muda assim, de um dia para o outro. Mas só o fato de ter consciência e saber que quero mudar as coisas, me deixa mais leve e livre. As escolhas podem ser melhor tomadas, mesmo que isso me pese depois. E é isso que tenho feito, escolhas. Coisas que sei que urgentemente precisam ser decididas par que num futuro bem próximo tudo esteja melhor definido, sem angústias gritantes de um passado mau resolvido.

PS: Sobre amor, doença e aniversário não tenho nada a dizer além de pedir a Deus que derrame sempre muita fé naqueles que ainda tem esperança. E sei ainda que soa meio falso ou irônico falar em Deus, não acreditando muito nele, mas o que se há de fazer. E preciso sempre inventar alguma coisa que nos faça creditar em tudo outra vez.
" Sentia necessidade de algum terror, mas não se apressava porque sabia que ele viria, breve e denso. Suspendeu os óculos deixando-os em repouso sobre a cabeça, depois pousou-os devagar na mesa. Andou até a janela e ficou a ver os homens e as mulheres largados nas cadeiras, as brasas dos cigarros, pontos vivos na escuridão, alguns curiosos postados sob a janela da pensão, sem ousarem fazer perguntas.O céu muito escuro: naquela noite, não haveria estrelas cadentes. Passou as mãos pelos braços. Não conseguia aterrorizar-se, e há muito tempo não sentia frio. Fizera seu aprendizado de solidão enquanto as coisas sentidas a cada dia tornavam-se mais e mais semelhantes, para finalmente permanecerem numa massa informe a escorrer monótona por dentro dele, alterando-se apenas em insignificantes cintilações cotidianas. Apenas reagia. Tudo ali estaria para sempre excessivamente silencioso para que se pudesse soltar um grito ou chorar sozinho no escuro, como nos primeiros tempos. E ainda que gritasse: o silêncio seria maior e mais desesperado que qualquer grito, porque todos gritavam e agiam da mesma forma, calada e idêntica. "

CaiO F. Abreu

terça-feira, 12 de maio de 2009

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-Sabe a garota do copo d'água?
- Sei.
- Se parece distante, talvez seja porque está pensando em alguém.
- Em alguém do quadro?
- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, e sentiu que eram parecidos.
- Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes.
- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela? Quem vai pôr ordem?


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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Convenhamos nós, que todos esses nós desatados, dilatados e vadiamente estampados nessa sua página tão suja de recados deixados pra trás, é parte do que compõe esse meu ser errante.Esse meu ser tão vagamente solitário, um puto que se faz de santo pra ganhar a vida, assim, sem dar nem cobrar nada de ninguém.Eu me faço prostituto das palavras e eu sei que isso é o que mais te encanta em mim, esse meu não compromisso com elas.Casos de amor mal resolvidos, meu querido, um dia você vai entender bem sobre o que eu te falo agora!

quarta-feira, 29 de abril de 2009

E então em um dia qualquer, desses normais, ele parou e começou a passear pela literatura. Um dia Caio F., no outro Drummond, Pessoa, Quintana, e eu sabia docemente que ainda viriam Clarice, Veríssimo, Bandeira, Florbela... E para ele isso se faria normal. Consumir literatura como se consome comida, água.. Matar a fome a sede! Mas o sentido real não era esse, porque a fome que esses autores são capazes de provocar é evasivamente tremenda, e ler um ou outro em apenas um dia ou dois, não sei, seria tempo insuficiente para se estar esgotado de toda a poesia capaz de modificar alguém. Não que esse seu novo amor pelas palavras fosse mentira, apenas não era verdadeiro!

sexta-feira, 24 de abril de 2009


"Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final.
No meio você coloca as idéias."

Pablo Neruda

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Os dragões não conhecem o paraíso

(by Caio Fernando Abreu)

Tenho um dragão que mora comigo.

Não, isso não é verdade.

Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu. Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser. Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitários quanto eu me encontrei, sozinho neste apartamento, depois de sua partida. Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele esteve comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado. E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs áridas da ausência dele, felizmente cada vez menos freqüentes (a aridez, não a ausência), pensei assim: Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

Isso me pareceu gradiloqüente e sábio como uma idéia que não fosse minha, tão estúpidos costumam ser meus pensamentos. E tomei nota rapidamente no guardanapo do bar onde estava. Escrevi também mais alguma coisa que ficou manchada pelo café. Até hoje não consigo decifrá-la. Ou tenho medo da minha - felizmente indecifrável - lucidez daquele dia.

Estou me confundindo, estou me dispersando.

O guardanapo, a frase, a mancha, o medo - isso deve vir mais tarde. Todas essas coisas de que falo agora - as particularidades dos dragões, a banalidade das pessoas como eu -, só descobri depois. Aos poucos, na ausência dele, enquanto tentava compreendê-lo. Cada vez menos para que minha compreensão fosse sedutora, e cada vez mais para que essa compreensão ajudasse a mim mesmo a. Não sei dizer. Quando penso desse jeito, enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, a navegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante.
Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se não fosse nada.

Ninguém perguntará coisa alguma, penso. Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. Foi essa a imagem que me veio hoje pela manhã quando, ao abrir a janela, decidi que não suportaria passar mais um dia sem contar esta história de dragões. Consegui evitá-la até o meio da tarde. Dói, um pouco. Não mais uma ferida recente, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha. Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para se transformar numa grande chaga.

Assim, agora, estou aqui. Ponta fina de agulha equilibrada entre os dedos da mão direita, pairando sobre a palma aberta da mão esquerda. Algumas anotações em volta, tomadas há muito tempo, o guardanapo de papel do bar, com aquelas palavras sábias que não parecem minhas e aquelas outras, manchadas, que não consigo ou não quero ou finjo não poder decifrar.

Ainda não comecei.

Queria tanto saber dizer Era uma vez. Ainda não consigo.

Mas preciso começar de alguma forma. E esta, enfim, sem começar propriamente, assim confuso, disperso, monocórdio, me parece um jeito tão bom ou mau quanto qualquer outro de começar uma história. Principalmente se for uma história de dragões.

Gosto de dizer tenho um dragão que mora comigo, embora não seja verdade. Como eu dizia, um dragão jamais pertence a, nem mora com alguém. Seja uma pessoa banal igual a mim, seja unicórnio, salamandra, harpia, elfo, hamadríade, sereia ou ogro. Duvido que um dragão conviva melhor com esses seres mitológicos, mais semelhantes à natureza dele, do que com um ser humano. Não que sejam insociáveis. Pelo contrário, às vezes um dragão sabe ser gentil e submisso como uma gueixa. Apenas, eles não dividem seus hábitos.

Ninguém é capaz de compreender um dragão. Eles jamais revelam o que sentem. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, às três ou às onze da noite, já que o dia e a noite deles acontecem para dentro, mas é mais previsível entre sete e nove da manhã, pois essa é a hora dos dragões) sempre batem a cauda três vezes, como se tivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Hoje, pondero: talvez seja essa a sua maneira desajeitada de dizer, como costumo dizer agora, ao despertar - que seja doce.

Mas no tempo em que vivia comigo, eu tentava - digamos - adaptá-lo às circunstâncias. Dizia por favor, tente compreender, querido, os vizinho banais do andar de baixo já reclamaram da sua cauda batendo no chão ontem às quatro da madrugada. O bebê acordou, disseram, não deixou ninguém mais dormir. Além disso, quando você desperta na sala, as plantas ficam todas queimadas pelo seu fogo. E, quanto você desperta no quarto, aquela pilha de livros vira cinzas na minha cabeceira.

Ele não prometia corrigir-se. E eu sei muito bem como tudo isso parece ridículo. Um dragão nunca acha que está errado. Na verdade, jamais está. Tudo que faz, e que pode parecer perigoso, excêntrico ou no mínimo mal-educado para um humano igual a mim, é apenas parte dessa estranha natureza dos dragões. Na manhã, na tarde ou na noite seguintes, quanto ele despertasse outra vez, novamente os vizinhos reclamariam e as prímulas amarelas e as begônias roxas e verdes, e Kafka, Salinger, Pessoa, Clarice e Borges a cada dia ficariam mais esturricados. Até que, naquele apartamento, restássemos eu e ele entre as cinzas. Cinzas são como sedas para um dragão, nunca para um humano, porque a nós lembra destruição e morte, não prazer. Eles trafegam impunes, deliciados, no limiar entre essa zona oculta e a mais mundana. O que não podemos compreender, ou pelo menos aceitar.

Além de tudo: eu não o via. Os dragões são invisíveis, você sabe. Sabe? Eu não sabia. Isso é tão lento, tão delicado de contar - você ainda tem paciência? Certo, muito lógico você querer saber como, afinal, eu tinha tanta certeza da existência dele, se afirmo que não o via. Caso você dissesse isso, ele riria. Se, como os homens e as hienas, os dragões tivessem o dom ambíguo do riso. Você o acharia talvez irônico, mas ele estaria impassível quanto perguntasse assim: mas então você só acredita naquilo que vê? Se você dissesse sim, ele falaria em unicórnios, salamandras, harpias, hamadríades, sereias e ogros. Talvez em fadas também, orixás quem sabe? Ou átomos, buracos negros, anãs brancas, quasars e protozoários. E diria, com aquele ar levemente pedante: "Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno. Os dragões não cabem nesses pequenos mundos de paredes invioláveis para o que não é visível".

Ele gostava tanto dessas palavras que começam com in - invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. A tal ponto que, quando o percebia intratável, para usar uma palavra que ele gostaria, suspeitava-o ao contrário: molhado de carinho. Pensava às vezes em tratá-lo dessa forma, pelo avesso, para que fôssemos mais felizes juntos. Nunca me atrevi. E, agora que se foi, é tarde demais para tentar requintadas harmonias.

Ele cheirava a hortelã e alecrim. Eu acreditava na sua existência por esse cheiro verde de ervas esmagadas dentro das duas palmas das mãos. Havia outros sinais, outros augúrios. Mas quero me deter um pouco nestes, nos cheiros, antes de continuar. Não acredite se alguém, mesmo alguém que não tenha um mundo pequeno, disser que os dragões cheiram a cavalos depois de uma corrida, ou a cachorros das ruas depois da chuva. A quartos fechados, mofo, frutas podres, peixe morto e maresia - nunca foi esse o cheiro dos dragões.

A hortelã e alecrim, eles cheiram. Quando chegava, o apartamento inteiro ficava impregnado desse perfume. Até os vizinhos, aqueles do andar de baixo, perguntavam se eu andava usando incenso ou defumação. Bem, a mulher perguntava. Ela tinha uns olhos azuis inocentes. O marido não dizia nada, sequer me cumprimentava. Acho que pensava que era uma dessas ervas de índio que as pessoas costumam fumar quando moram em apartamentos, ouvindo música muito alto. A mulher dizia que o bebê dormia melhor quando esse cheiro começava a descer pelas escadas, mais forte de tardezinha, e que o bebê sorria, parecendo sonhar. Sem dizer nada, eu sabia que o bebê sonhava com dragões, unicórnios ou salamandras, esse era um jeito do seu mundo ir-se tornando aos poucos mais largo. Mas os bebês costumam esquecer dessas coisas quanto deixam de ser bebês, embora possuam a estranha facilidade de ver dragões - coisa que só os mundos muito largos conseguem.

Eu aprendi o jeito de perceber quando o dragão estava a meu lado. Certa vez, descemos juntos pelo elevador com aquela mulher de olhos-azuis-inocentes e seu bebê, que também tinha olhos-azuis-inocentes. O bebê olhou o tempo todo para onde estava o dragão. Os dragões param sempre do lado esquerdo das pessoas, para conversar direto com o coração. O ar a meu lado ficou leve, de uma coloração vagamente púrpura. Sinal que ele estava feliz. Ele, o dragão, e também o bebê, e eu, e a mulher, e a japonesa que subiu no sexto andar, e um rapaz de barba no terceiro. Sorríamos suaves, meio tolos, descendo juntos pelo elevador numa tarde que lembro de abril - esse é o mês dos dragões - dentro daquele clima de eternidade fluida que apenas os dragões, mas só às vezes, sabem transmitir.

Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca - amor. Se não o tempo todo, pelo menos quanto lembro de momentos assim. Infelizmente, raros. A aspereza e avesso parecem ser mais constantes na natureza dos dragões do que a leveza e o direito. Mas queria falar de antes do cheiro. Havia outros sinais, já disse. Vagos, todos eles.

Nos dias que antecediam a sua chegada, eu acordava no meio da noite, o coração disparado. As palmas das mãos suavam frio. Sem saber porque, nas manhãs seguintes, compulsivamente eu começava a comprar flores, limpar a casa, ir ao supermercado e à feira para encher o apartamento de rosas e palmas e morangos daqueles bem gordos e cachos de uvas reluzentes e berinjelas luzidias (os dragões, descobri depois, adoram contemplar berinjelas) que eu mesmo não conseguia comer. Arrumava em pratos, pelos cantos, com flores e velas e fitas, para que os espaços ficassem mais bonito.

Como uma fome, me dava. Mas uma fome de ver, não de comer. Sentava na sala toda arrumada, tapete escovado, cortinas lavadas, cestas de frutas, vasos de flores - acendia um cigarro e ficava mastigando com os olhos a beleza das coisas limpas, ordenadas, sem conseguir comer nada com a boca, faminto de ver. À medida que a casa ficava mais bonita, eu me tornava cada vez mais feio, mais magro, olheiras fundas, faces encovadas. Porque não conseguia dormir nem comer, à espera dele. Agora, agora vou ser feliz, pensava o tempo todo numa certeza histérica. Até que aquele cheiro de alecrim, de hortelã, começasse a ficar mais forte, para então, um dia, escorregar que nem brisa por baixo da porta e se instalar devagarzinho no corredor de entrada, no sofá da sala, no banheiro, na minha cama. Ele tinha chegado.

Esses ritmos, só descobri aos poucos. Mesmo o cheiro de hortelã e alecrim, descobri que era exatamente esse quando encontrei certas ervas numa barraca de feira. Meu coração disparou, imaginei que ele estivesse por perto. Fui seguindo o cheiro, até me curvar sobre o tabuleiro para perceber: eram dois maços verdes, a hortelã de folhinhas miúdas, o alecrim de hastes compridas com folhas que pareciam espinhos, mas não feriam. Pergunte o nome, o homem disse, eu não esqueci. Por pura vertigem, nos dias seguintes repetia quanto sentia saudade: alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim.

Antes, antes ainda, o pressentimento de sua visita trazia unicamente ansiedade, taquicardias, aflição, unhas roídas. Não era bom. Eu não conseguia trabalhar, ira ao cinema, ler ou afundar em qualquer outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias passavam. E, quando ele enfim chegava, eu nunca tinha estado tão feio. Os dragões não perdoam a feiúra. Menos ainda a daqueles que honram com sua rara visita.

Depois que ele vinha, o bonito da casa contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora. E forçava os olhos pelos cantos de prata esverdeadas, luz fugidia, a ponta em seta de sua cauda pela fresta de alguma porta ou fumaça de suas narinas, sempre mau, e a fumaça, negra. Naqueles dias, enlouquecia cada vez mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele tornava-se cada vez mais remoto. Ausentava-se, retirava-se, fingia partir. Rarefazia seu cheiro de ervas até que não passasse de uma suspeita verde no ar. Eu respirava mais fundo, perdia o fôlego no esforço de percebê-lo, dias após dia, enquanto flores e frutas apodreciam nos vasos, nos cestos, nos cantos. Aquelas mosquinhas negras miúdas esvoaçavam em volta delas, agourentas.

Tudo apodrecia mais e mais, sem que eu percebesse, doído do impossível que era tê-lo. Atento somente à minha dor, que apodrecia também, cheirava mal. Então algum dos vizinhos batia à porta para saber se eu tinha morrido e sim, eu queria dizer, estou apodrecendo lentamente, cheirando mal como as pessoas banais ou não cheiram quando morrem, à espera de uma felicidade que não chega nunca. Ele não compreenderia. Eu não compreendia, naqueles dias - você compreende?

Os dragões, já disse, não suportam a feiúra. Ele partia quando aquele cheiro de frutas e flores e, pior que tudo, de emoções apodrecidas tornava-se insuportável. Igual e confundido ao cheiro da minha felicidade que, desta e mais uma vez, ele não trouxera. Dormindo ou acordado, eu recebia sua partida como um súbito soco no peito. Então olhava para cima, para os lados, à procura de Deus ou qualquer coisa assim - hamadríades, arcanjos, nuvens radioativas, demônios que fossem. Nunca os via. Nunca via nada além das paredes de repente tão vazias sem ele.

Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pântano de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.

Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo? E para, quem sabe, que os humanos aprendam a forma de retê-lo, se ele um dia voltar?

Não, não é assim. Isso não é verdade.

Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.

Quando volto apensar nele, nestas noites em que dei para me debruçar à janela procurando luzes móveis pelo céu, gosto de imaginá-lo voando com suas grandes asas douradas, solto no espaço, em direção a todos os lugares que é lugar nenhum. Essa é sua natureza mais sutil, avessa às prisões paradisíacas que idiotamente eu preparava com armadilhas de flores e frutas e fitas, quando ele vinha. Paraísos artificiais que apodreciam aos poucos, paraíso de eu mesmo - tão banal e sedento - a tolerar todas as suas extravagâncias, o que devia lhe soar ridículo, patético e mesquinho. Agora apenas deslizo, sem excessivas aflições de ser feliz.

As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam. Desde que o mandei embora, para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que sinto: quase sem sentir.

Resta esta história que conto, você ainda está me ouvindo? Anotações soltas sobre a mesa, cinzeiros cheios, copos vazios e este guardanapo de papel onde anotei frases aparentemente sábias sobre o amor e Deus, com uma frase que tenho medo de decifrar e talvez, afinal, diga apenas qualquer coisa simples feito: nada disso existe.

Nada, nada disso existe.

Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia em mim. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. E, desse jeito, começar uma nova história que, desta vez sim, seria totalmente verdadeira, mesmo sendo completamente mentira. Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:

- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.

Não, isso também não é verdade.

terça-feira, 14 de abril de 2009

O que tem mudado em mim


Ah, como eu queria saber para o tempo
só pra deixar depois ele voltar a correr, lento.

Das coisas que você me faz sentir, meu bem
não tem nada no mundo que me faça sentir também.

O teu sorriso me traz uma energia que me toma a alma
do seu lado eu conheci o que é o querer bem, a calma.

Leve o tempo que for pra gente se encontrar de novo, assim
eu vou estar te esperando, sem cobrar nada de você, de mim.

Tudo está diferente aqui dentro, as paredes estão mais coloridas
do que o tempo fez marcar, o que está por vir há de curar as feridas

E ninguém terá porque duvidar que o que a gente sente é de verdade
o que cresce em nós, é puro, não tem nome,
eu sei é bem mais que felicidade.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Pré-Encontro

Ah, foi como se o seu sorriso fosse pra mim

aquele branco me trazendo a paz

de quem mais quer estar perto de alguém.

Aquilo que eu não acreditava mais ser pra mim

você me mostrou que a gente não sabe nunca

a gente não sabe nunca sobre o amor.

Foi mesmo assim quando eu te vi naquele dia

pouco tempo atrás, visitante dos meus sonhos coloridos

se colorindo também, se fazendo marcar como meu outro alguém.

A minha metade perdida, um domador de dragão

e pode dizer toda gente que isso é loucura

do que bate aqui no peito da gente, só a gente quem sabe

e basta desejarmos pra sempre que tudo seja doçura.

Quando a gente se encontrar de novo em outro plano

a gente bola um novo plano pra viver.

E tudo vai ser como será bonito o nosso contato

tudo virá como um sim dito sem mistério, foto colorida no retrato.

E a chuva pode até cair, o céu se fazer tempestade

mas logo vem o sol, iluminar as palavras, a poesia

da inspiração que você me causa, das rimas que você me rouba

de tudo que me faz sentir você, do amor a nostalgia.

PS: Senhores esse poema eu fiz pra uma pessoa super especial, dona de um dragão muito mágico e lindo. E também dona de um dos sorrisos mais tranparentes e brilhantes que já vi no mundo. Então o post de hoje vai pra ela, juntamente com os meus mais colorido e vadios beijos.