quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Respirar-se

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Olhou no calendário como que para confirmar o que estava sentindo. Os dias delicadamente organizados em fileiras, que se repetiam numa maneira delicada de estampar a rotina do cotidiano. Aquele era o final, pensou ele. E antes mesmo fosse apenas sonho, mas não. Faltavam poucos os dias para que aquele ano começasse a ser apenas uma lembrança, hora doce, hora acida demais na memória. Fechou os olhos e pensou com carinho naquele outro alguém que estava distante. Respirar, era essa a forma com que encontraram os dois para constantemente conseguirem eliminar aquela falta insegura de alguma coisa que parecia sem forma, nem cor, nem gosto quando estavam longe um do outro. Na boca um gosto qualquer se dissolvia, em meio aqueles tantos gostos já provados por ele, um inventor de sabores. Agora o que importava era aquele outro e aquela história que começava a ser rascunhada, todas as palavras e os gestos que começavam a preencher aquele vazio branco. Era isso que importava agora.

O encontro, não o real, porque esse ainda estava sendo ansiosamente esperado, aconteceu sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada. Nada além de talvez no máximo 140 caracteres digitados sobre qualquer coisa em uma dessas febres modernetes que cada dia ficam ultrapassadas pelo novo. Mas a gente sempre sabe quando encontra alguém diferente desses tantos outros alguéns. Se acreditassem os dois, diriam sorridentes que isso foi apenas uma questão de sorte. Mas não era sorte aquilo, isso, aquele encontro de opiniões era como o caminho correto a seguir. Bem-me-quer, mal-me-quer. Estavam certos que eram os únicos de uma geração inteira que ainda desejavam e acreditavam nesse sentimento já tão banal, que chamavam, da boca pra fora, os outros todos de Amor. E por isso se completavam.
Depois do encontro ambos expiravam para respirarem-se mutuamente, um ao outro. E trocavam felizes telefonemas inesperados, e mensagens de texto, durante tardes e noites. Enquanto um esperava pelo outro insuportavelmente felizes, se imaginavam perto e só queriam que esse perto se diminuísse cada vez mais em distancias. ‘That without you my sun doesn't shine’ cantava um em silencio, acompanhando o embalo da melodia doce de um diva americana, enquanto o outro ensaiava peças de teatro na busca de um personagem tão intenso quanto aquilo que sentia agora. Passavam assim os dias agora, ligados em si mesmo.

Era isso que importava agora, se repetiu ele, olhando agora praquele novo calendário cheio de fotos e expressões marcados pelo outro. Um presente cotidiano que agora podia ser compartilhado, desde as rimas até os sabores e os chás, e os objetos favoritos, os sentimentos. Expirou e respirou tão profundamente num só segundo, como se fosse mesmo possível em um único gesto eliminar todo a indicio sujo de saudade que começasse a surgir ali. Olhou novamente o novo calendário como que para confirmar, num gesto já repetido antes. Aquele era apenas o começo, pensou ao fechar os olhos. Tudo estava apenas começando, embora ao mesmo tempo tudo terminaria dali poucos dias. E nessa loucura em que se faziam as emoções encontradas com os sentimentos ele respirava, e respirava, e respirava, até o ar enchesse de coisas boas os pulmões, o coração, respirava, respirava, respirava.


Maycoll c.
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

pra poder d-escreve-lo.

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Complexo, ele se olhou no espelho.
via nele milhares de possibilidades, de seres.
Por fora a beleza comum aos olhos alheios,
Por dentro um coração encharcado de sentimentos ambíguos.
Ele se tocava e o espelho se partia em mil, em muitos dele.
Como que se o de dentro tivesse num estalar de dedos saído pra fora.
Percebeu que tudo estava mudando, não era mais possível colar pedaços.
Estava ficando adulto, essa era sua verdade.
O que ficava agora era apenas a moldura na parede.


Como pra disfarçar os sentimentos, ele dançava
Às vezes confuso, também se arriscava a pintar paredes
Rascunhar palavras perdidas em papeis esbranquiçados
Se sentia o príncipe do seu próprio planeta inventado
E era único, nas cores, nos olhares, no jeito despojado de tragar.
Homem dos olhos profundos, cheio de saudade do menino que ainda era.


- Eu preciso me plantar, eu sei! - Ele pensou ao fechar os olhos, enquanto o sol brilhava em uma tarde qualquer de primavera. Os pés descalços sobre a terra úmida e vermelha, como que pra criar raízes, ali mesmo, naquele pequeno espaço de terra, quadriculado em mínimos centímetros, bem no meio de uma cidade inteira de prédios, e buzinas e nuvens poluídas. Era preciso se segurar ali, mesmo que o tempo se fizesse inconstante, hora muitas chuvas, hora secas incontroláveis. Pra ele que sempre tinha sido passarinho, desse belos, de asas coloridas, de grandes vôos, era difícil assim, de uma hora pra outra ter de se criar raízes. Era preciso se preencher de alguma coisa. Como ficariam agora os países distantes sem que ele os visitasse, trazido pelos ventos? Ventos esses que sempre por mais que mudassem constantes de direção, sabiam sempre o caminho certo para indicá-lo. Era preciso aceitar que ele não era mais menino, não podia mais brincar com ventos. Era tempo de se decidir, de se deixar crescer, até o momento exato em que os frutos sadios brotariam dos galhos, e sem que ninguém os recolhesse cairiam podres no chão. Talvez era apenas medo o que ele sentia, talvez só lhe restava mesmo in-ventar.

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