domingo, 1 de março de 2009

A vida apenas prossegue

Hoje durante aquela caminhada sem destino não rotineira, me vieram na mente milhares de manifestações expressivas e sentimentais. O céu estava naquela exata posição em que todas as cores se permitem serem elas mesmas. Os verdes, amarelos, o lilás profundo... Aqui dentro o sangue continuava circulando lento, como que se apesar de já conhecer todo o caminho a ser percorrido quisesse observar melhor o que se passava a sua volta. Por alguns instantes a vida corria a minha volta e de uma forma tão simples tudo fizesse com que muitas coisas se transformassem aqui dentro. Me permiti fechar os olhos, respirar fundo... Imediatamente me veio a cabeça um poema que me marcou a adolescência e que gosto muito...


Os Ombros Suportam o Mundo
Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

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