terça-feira, 16 de março de 2010

barbeÀdor

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É difícil ficar adulto. Ele pensou olhando fixamente dentro dos seus próprios olhos refletidos no espelho do banheiro. E doloroso também, embora seja necessário ficar adulto. Continuou pensando. A barba por fazer fazia do colorido preto dos pelos um ar meio despreocupado de si mesmo. Ele nunca acreditou muito na sua própria beleza. A beleza sempre vem de uma vez. Refletiu. Era preciso encarar tudo com a consciência e o entendimento de quem há tempos não é mais criança, nem tão pouco a pouco tempo um pré ou adolescente maduro.
Os olhos continuavam os mesmos. Miúdos, mas gigantes na profundidade em que se faziam o lançar de olhares. A boca larga também era a mesma de sempre. Os dentes não, esses tiveram de ser forçadamente modificados e clareados e corrigidos pra se encaixarem em um modelo de sorriso mais confortável. Agora eram ainda grandes e brancos e faziam um contraste gigantesco, pelo menos agora, ali diante do espelho, naquele encontro entre ele e ele mesmo.
O grande medo dele talvez fosse o de se perder em si mesmo. Cair em um buraco negro, aberto dentro de si mesmo, dentro daquilo que ele mesmo não sabia definir, fora de tudo que ele já havia sentido ou vivido ou imaginado para si. Cair em si mesmo. Porque a gente nunca sabe até quando tudo vai durar. Ele se encarava concentrado em entender. Até quando dura a infância? Respostas, respostas. Ele se perdia entre tantas perguntas jogadas pela pia do banheiro abaixo. Os canos se entupiriam sem respostas certas, esgotados de si mesmo, cheios de uma vida indefinida por imagens modificadas. Olhar-se no espelho nunca tinha sido tão doloroso.
Um. Dois. Três. Quatro. Quatro milhões de dúvidas, quatro vezes se fosse necessário.Respirou fundo. Apertou firme a gilete com uma das mãos, o pulso firme, quase dolorido de se sentir em pulsação. É hora de abrir a janela de dentro, deixar entrar novos ventos, tirar a poeira que com o tempo se deixou acumular pelos cantos. Sorriu, mesmo tendo medo, sorriu largo, sorriu limpo. Ensaboou o rosto com a mão que estava livre. Sentindo o sabão fazer espuma, os pelôs crescidos ali, entre queixo, pescoço e maçã do rosto. Sentindo a si mesmo, em um ritual que ele sabia que a partir de agora se repetiria quase que diariamente. Se olhou firme, fixo, decidido de si. Leve e doce. Se barbeou.



Maycoll c.
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