Para ser lido ao som de Thigo Pethit - O último a saber
Era segunda-feira, ou terça, quarta, quinta talvez. Não se lembrava bem o dia exato, certeiro. Sabia apenas que aqueles dias corridos eram de uma semana de agosto. Final, embora fosse apenas o começo, aqueles dias eram marcados por serem os representantes legais do final do mês. Olhou a correspondência, as contas vinham de todos os lados para se juntarem aquelas tantas outras que se espalhavam pela geladeira. Pregadas com imãs coloridos, como que pra disfarçar a aflição, era tudo como um grande mural de subtrações financeiras a ser admirado. No meio de todos os papeis somadamente embrulhados que chegaram de longe havia uma carta. L'amour de ton future – era essa a assinatura que marcava de tinta preto o envelope com um tom meio vintage. Ele resistiu a tentação, afinal, no fundo aquele amor que agora estaria em Paris, Buenos Aires, Guatemala, Londres talvez, não importa onde, onde quer que ele estivesse estava distante, muito distante do tão perto que ele já tinha estado um dia. Encaminhou as contas até a geladeira, repartindo os imãs que eram poucos diante todas as dividas e colocou o envelope no bolso da calça. Era cedo demais para se arriscar assim, preferia se afundar nos tangos urbanos, pelas ruas sem destino, fumando seu cigarro em suspiros lentos, como quem baila apenas pelo admirar da melodia.
A noite vinha cobrindo o céu, um cinza pálido, um tanto quanto de poeira, outro tanto de tédio, caia lentamente sobre seus passos no asfalto. Ele era acostumado a caminhar, voar livre dento de uma gaiola que era apenas sua. Mas dessa vez a carta que carregava no bolso dava um peso a mais as estrelas que desabavam do céu. Hesitou em pegar o envelope: papel amarelado com tinta preta de caneta. As mãos permaneciam geladas, suadas de uma maneira tão forte que qualquer toque mais profundo seria capaz de despedaçar todas as palavras. Tudo voltaria ao pó. E ele apenas caminhava. E pensava em quanto tempo fazia que ele não recebia uma carta assim, escrita ainda com tinta fresca que não fosse dessas que saem das impressoras. E percebia que tinha desaprendido o jeito, que tinha desaprendido a escrever cartas de amor, a dividir esperanças. Na verdade ele nem sabia mesmo e mais o que era esperança, dividir, amor, todas essas três e mais uma infinidades de palavras ele nem sequer fazia questão de lembrar. Já andava só fazia um tempo, e fosse qual fosse o tempo, sol, chuva, sempre se deixava levar pelo vento. Bastava fechar os olhos, sentir o vento bater e, então, ele podia estar em qualquer lugar, ainda bailando lento e leve naquele tango argentino, que por rima fácil ele aprendera a gostar com o pai desde menino.
Ele caminhou até que o dia começasse a arder nas pupilas. O sono se esfregava vermelho nos olhos. As olheiras competiam espaço no rosto com a barba por fazer e o grosso traço preto das sobrancelhas. Parou num botequim qualquer e de lá, vendo o sol nascer, pediu um café, amargo, forte. Para acompanhar acendeu mais um cigarro, soltar fumaça era como se aliviar, ou se castigar inconscientemente por todas as culpas que ele listava até então, e que cresciam rápidas em goles pequenos. Tirou a carta do bolso, encarou o envelope por alguns segundos, como se fosse o último a saber; que por algum tempo ele esteve ali, perdido no bolso da calça. Uma disputa entre o amor e o medo. Abriu o envelope e já na primeira linha, depois de um gole no café quente e uma profunda tragada no cigarro pensou – Tudo vai mudar.
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Senhores esse texto foi totalmente inspirado na música de Thiago Pethit.
Eu enviei o texto a ele, que gentilmente respondeu meu e-mail dizendo ter gostado e estar feliz por sua música me servir como fonte de inspiração.
Então para os que ainda não conhecem, vale muito apena conhecer o som de Le Pethit, e de todos os Novos Paulistas (post anterior).
http://thiagopethit.com/
Quero agradecer o carinho dele e de todo mundo.
Beijos
Maycol C.
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Era segunda-feira, ou terça, quarta, quinta talvez. Não se lembrava bem o dia exato, certeiro. Sabia apenas que aqueles dias corridos eram de uma semana de agosto. Final, embora fosse apenas o começo, aqueles dias eram marcados por serem os representantes legais do final do mês. Olhou a correspondência, as contas vinham de todos os lados para se juntarem aquelas tantas outras que se espalhavam pela geladeira. Pregadas com imãs coloridos, como que pra disfarçar a aflição, era tudo como um grande mural de subtrações financeiras a ser admirado. No meio de todos os papeis somadamente embrulhados que chegaram de longe havia uma carta. L'amour de ton future – era essa a assinatura que marcava de tinta preto o envelope com um tom meio vintage. Ele resistiu a tentação, afinal, no fundo aquele amor que agora estaria em Paris, Buenos Aires, Guatemala, Londres talvez, não importa onde, onde quer que ele estivesse estava distante, muito distante do tão perto que ele já tinha estado um dia. Encaminhou as contas até a geladeira, repartindo os imãs que eram poucos diante todas as dividas e colocou o envelope no bolso da calça. Era cedo demais para se arriscar assim, preferia se afundar nos tangos urbanos, pelas ruas sem destino, fumando seu cigarro em suspiros lentos, como quem baila apenas pelo admirar da melodia.
A noite vinha cobrindo o céu, um cinza pálido, um tanto quanto de poeira, outro tanto de tédio, caia lentamente sobre seus passos no asfalto. Ele era acostumado a caminhar, voar livre dento de uma gaiola que era apenas sua. Mas dessa vez a carta que carregava no bolso dava um peso a mais as estrelas que desabavam do céu. Hesitou em pegar o envelope: papel amarelado com tinta preta de caneta. As mãos permaneciam geladas, suadas de uma maneira tão forte que qualquer toque mais profundo seria capaz de despedaçar todas as palavras. Tudo voltaria ao pó. E ele apenas caminhava. E pensava em quanto tempo fazia que ele não recebia uma carta assim, escrita ainda com tinta fresca que não fosse dessas que saem das impressoras. E percebia que tinha desaprendido o jeito, que tinha desaprendido a escrever cartas de amor, a dividir esperanças. Na verdade ele nem sabia mesmo e mais o que era esperança, dividir, amor, todas essas três e mais uma infinidades de palavras ele nem sequer fazia questão de lembrar. Já andava só fazia um tempo, e fosse qual fosse o tempo, sol, chuva, sempre se deixava levar pelo vento. Bastava fechar os olhos, sentir o vento bater e, então, ele podia estar em qualquer lugar, ainda bailando lento e leve naquele tango argentino, que por rima fácil ele aprendera a gostar com o pai desde menino.
Ele caminhou até que o dia começasse a arder nas pupilas. O sono se esfregava vermelho nos olhos. As olheiras competiam espaço no rosto com a barba por fazer e o grosso traço preto das sobrancelhas. Parou num botequim qualquer e de lá, vendo o sol nascer, pediu um café, amargo, forte. Para acompanhar acendeu mais um cigarro, soltar fumaça era como se aliviar, ou se castigar inconscientemente por todas as culpas que ele listava até então, e que cresciam rápidas em goles pequenos. Tirou a carta do bolso, encarou o envelope por alguns segundos, como se fosse o último a saber; que por algum tempo ele esteve ali, perdido no bolso da calça. Uma disputa entre o amor e o medo. Abriu o envelope e já na primeira linha, depois de um gole no café quente e uma profunda tragada no cigarro pensou – Tudo vai mudar.
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Senhores esse texto foi totalmente inspirado na música de Thiago Pethit.
Eu enviei o texto a ele, que gentilmente respondeu meu e-mail dizendo ter gostado e estar feliz por sua música me servir como fonte de inspiração.
Então para os que ainda não conhecem, vale muito apena conhecer o som de Le Pethit, e de todos os Novos Paulistas (post anterior).
http://thiagopethit.com/
Quero agradecer o carinho dele e de todo mundo.
Beijos
Maycol C.
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2 comentários:
Desculpem caros leitores de Sentimentos Sujos, mas tive a honra de ler esse texto antes mesmo de ser postado aqui.
heuaheuahueahue
E como eu fisse a esse caro escritor, ficou ótimo.
Principalmente, a quebra do final da história, a qual deixa o suspense e causa-nos curiosidade.
Depois de ler seu conto, me resta a vonta imensa de conhecer a música de Thiago Pethit.
Bom saber que tudo vai mudar...
;)
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