segunda-feira, 31 de agosto de 2009

QUANDO SETEMBRO VIER

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De tão azul, o céu parecerá pintado. E nós embarcaremos logo rumo à ilhas Cíclades.Houvesse cortinas no quarto, elas tremulariam com a brisa entrando pelas janelas abertas, de manhã bem cedo. Acordei sem a menor dificuldade, espiei a rua em silêncio, muito limpa, as azaléias vermelhas e brancas todas floridas. Parecia que alguém tinha recém pintado o céu, de tão azul. Respirei fundo. O ar puro da cidade lavava meus pulmões por dentro. Setembro estava chegando enfim.Na sala, encontrei a mesa posta para o café — leite e pão frescos, mamão, suco de laranja, o jornal ao lado. Comi bem devagarinho, lendo as notícias do dia. Tudo estava em paz, no Nordeste, no Oriente Médio, nas Américas Central, do Norte e do Sul. Na página policial, um debate sobre a espantosa diminuição da criminalidade. Comi, li, fumei tão devagarinho que mal percebi que estava atrasado para o trabalho. Achei prudente ligar, avisando que iria demorar um pouco.A linha não estava ocupada. Quando o chefe atendeu, comecei a contar uma história meio longa demais, confusa demais. Só quando ele repetiu calma, calma, pela terceira vez, foi que parei de falar. Então ele disse que tinha acabado de sair de uma reunião com os patrões: tinham decidido que meu trabalho era tão bom, mas tão bom que, a partir daquele dia, eu nem precisava mais ir lá. Bastava passar todo fim de mês, para receber o salário que havia sido triplicado.Desliguei um pouco tonto. Então, podia voltar a meu livro? Discreta e silenciosa como sempre, a empregada tinha tirado a mesa. No centro dela, agora, sobre uma toalha de renda branca, havia rosas cor de chá, aquelas que Oxum mais gosta. No escritório, abri as gavetas e apanhei a pilha de originais de três anos, manchados de café, de vinho, de tinta e umas gotas escuras que pareciam sangue. Reli rapidamente. E a chave que faltava, há tanto tempo, finalmente pintou. Coloquei papel na máquina, comecei a escrever iluminado, possuído a um só tempo por Kafka, Fitzgerald, Clarice e Fante. Não, Pedro não tinha ido embora, nem Dulce partido, nem Eliana enlouquecido. As terras de Calmaritá realmente existiam: para chegar lá, bastava tomar a estrada e seguir em frente.Escrevi horas. Sem sentir, cheio de prazer. Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado naquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora. Os passaportes estavam prontos, nos encontraríamos no aeroporto: São Paulo/Roma/Atenas, depois Poros, Tinos, Delos, Patmos, Cíclades. Leve seu livro, disse. Não esqueça suas partituras, falei. Olhei em volta, a empregada tinha colocado para tocar A sagração da primavera, minha mala estava feita. Peguei os originais, a gabardine, o chapéu e a mala. Então desci para a limusine que me esperava e embarquei rumo a.
PS — Andaram falando que minhas crônicas estavam tristes demais. Aí escrevi esta, pra variar um pouco. Pois como já dizia Cecília/Mia Farrow em A cor púrpura do Cairo: “Encontrei o amor. Ele não é real, mas que se há de fazer? Agente não pode ter tudo na vida...” Fred e Ginger dançam vertiginosamente. Começo a sorrir, quase imperceptível. Axé. E The End.

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Caio F. Abreu
O Estado de S. Paulo, 27/8/1986 - In Pequenas Epifanias
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Ps: Já postei esse texto aqui, mas vale uma repostagem. Afinal é Setembro e seja qual for o mês do ano, estamos sempre esperando setembro. Que tudo volte a florescer e fique mais colorido. Muhzito, esse vai pra você!
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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Une petite histoire d'amour

Para ser lido ao som de Thigo Pethit - O último a saber

Era segunda-feira, ou terça, quarta, quinta talvez. Não se lembrava bem o dia exato, certeiro. Sabia apenas que aqueles dias corridos eram de uma semana de agosto. Final, embora fosse apenas o começo, aqueles dias eram marcados por serem os representantes legais do final do mês. Olhou a correspondência, as contas vinham de todos os lados para se juntarem aquelas tantas outras que se espalhavam pela geladeira. Pregadas com imãs coloridos, como que pra disfarçar a aflição, era tudo como um grande mural de subtrações financeiras a ser admirado. No meio de todos os papeis somadamente embrulhados que chegaram de longe havia uma carta. L'amour de ton future – era essa a assinatura que marcava de tinta preto o envelope com um tom meio vintage. Ele resistiu a tentação, afinal, no fundo aquele amor que agora estaria em Paris, Buenos Aires, Guatemala, Londres talvez, não importa onde, onde quer que ele estivesse estava distante, muito distante do tão perto que ele já tinha estado um dia. Encaminhou as contas até a geladeira, repartindo os imãs que eram poucos diante todas as dividas e colocou o envelope no bolso da calça. Era cedo demais para se arriscar assim, preferia se afundar nos tangos urbanos, pelas ruas sem destino, fumando seu cigarro em suspiros lentos, como quem baila apenas pelo admirar da melodia.

A noite vinha cobrindo o céu, um cinza pálido, um tanto quanto de poeira, outro tanto de tédio, caia lentamente sobre seus passos no asfalto. Ele era acostumado a caminhar, voar livre dento de uma gaiola que era apenas sua. Mas dessa vez a carta que carregava no bolso dava um peso a mais as estrelas que desabavam do céu. Hesitou em pegar o envelope: papel amarelado com tinta preta de caneta. As mãos permaneciam geladas, suadas de uma maneira tão forte que qualquer toque mais profundo seria capaz de despedaçar todas as palavras. Tudo voltaria ao pó. E ele apenas caminhava. E pensava em quanto tempo fazia que ele não recebia uma carta assim, escrita ainda com tinta fresca que não fosse dessas que saem das impressoras. E percebia que tinha desaprendido o jeito, que tinha desaprendido a escrever cartas de amor, a dividir esperanças. Na verdade ele nem sabia mesmo e mais o que era esperança, dividir, amor, todas essas três e mais uma infinidades de palavras ele nem sequer fazia questão de lembrar. Já andava só fazia um tempo, e fosse qual fosse o tempo, sol, chuva, sempre se deixava levar pelo vento. Bastava fechar os olhos, sentir o vento bater e, então, ele podia estar em qualquer lugar, ainda bailando lento e leve naquele tango argentino, que por rima fácil ele aprendera a gostar com o pai desde menino.

Ele caminhou até que o dia começasse a arder nas pupilas. O sono se esfregava vermelho nos olhos. As olheiras competiam espaço no rosto com a barba por fazer e o grosso traço preto das sobrancelhas. Parou num botequim qualquer e de lá, vendo o sol nascer, pediu um café, amargo, forte. Para acompanhar acendeu mais um cigarro, soltar fumaça era como se aliviar, ou se castigar inconscientemente por todas as culpas que ele listava até então, e que cresciam rápidas em goles pequenos. Tirou a carta do bolso, encarou o envelope por alguns segundos, como se fosse o último a saber; que por algum tempo ele esteve ali, perdido no bolso da calça. Uma disputa entre o amor e o medo. Abriu o envelope e já na primeira linha, depois de um gole no café quente e uma profunda tragada no cigarro pensou – Tudo vai mudar.

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Senhores esse texto foi totalmente inspirado na música de Thiago Pethit.
Eu enviei o texto a ele, que gentilmente respondeu meu e-mail dizendo ter gostado e estar feliz por sua música me servir como fonte de inspiração.
Então para os que ainda não conhecem, vale muito apena conhecer o som de Le Pethit, e de todos os Novos Paulistas (post anterior).
http://thiagopethit.com/
Quero agradecer o carinho dele e de todo mundo.
Beijos

Maycol C.

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sábado, 22 de agosto de 2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

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eu desde que te vi, assim meio de longe, incerto
já sentia algo diferente, coisa de poesia, sim
me fugiam as rimas, coração longe de ti estava deserto
agora tudo com você perto é mais cor, sei mais de mim
então a gente pode colorir agora, isso é mais que certo
e não vai ter tempo sem cor, porque eu estarei com você e fim!
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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Por todos os segundos de agosto

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Eu deveria cantar, mas por não entender bem de tons, notas musicais e melodia, me cabe apenas escrever ou colorir! - Pensou ele enquanto o céu ficava branco, era agosto e embora o dia anterior não tivesse sido de primeira, também era segunda, e segunda todo mundo sabe como é. As sentimentalidades do final de semana se derramando lentas, gosmentas, tédio açucarado no café pra curar os amores não correspondidos e as lágrimas não salgadas de pó que ele não chorou nunca mais por alguém, ou por ninguém.
Agosto era pra ele um mês de bom gosto, embora o único gosto que ainda predominava na sua boca larga era o do café, tomado com gosto, naquela tarde de inverno quente. Faltava poucos dias para que ele completasse 25 anos, para ser mais exato faltava de fato nove ou dez dias. Ele nunca foi muito de contas, números, só lhe interessava mesmo a música, a literatura e o colorido, o colorir. Por isso também já nem acumulava muitos sonhos.
Ligou o som, pegou giz de cera e papel em branco na gaveta, se sentou. Até arriscou cantarolar uma ou duas palavras, que depois se fizeram frases. Não tinha inspiração para começar assim delicadamente a rasgar o branco do papel com qualquer pingo que fosse de cor ou grafite escrito. Observou os lápis, as cores, o papel que gritava por uma cicatriz qualquer que fosse. Qualquer sentimento pra sujar o branco, qualquer coisa que o livra-se daquela solidão de ser papel sem pauta.

Papel em branco
faço poesia para te modificar
Solidão que não existe
Cor que modifica, vem cicatriz-ar
Pra tudo ser diferente poesia não resiste
Vento de poeira colorida, cantar!
 
Ele rabiscou intenso a poesia no papel, pegou dos lápis a cor e começou a colorir. Coloriu todos os espaços em branco do papel e de todos aqueles sentimentos em branco que ainda habitavam o seu corpo, frio, remoto. Nas paredes da casa foram surgindo desenhos abstratos, concretos de cor, tudo ali era poesia que por mágica, mágia, poderia virar canção. Ele cobria os espaços, os cantos, chãos e tetos, pedaços. A noite veio caindo do calor ao frio, enquanto isso as janelas sopravam as cortinas a bailar, cheiro de vida nova, de obra de arte.
Os muros todos gritavam cores não escolhidas, desenhos não revelados, canto, palavra, sexo, sorriso. Tudo era misturado, sem ordem, sem nexo. Agosto, agora tudo tinha além do café amargo um novo gosto. Ele olhou o pó de giz espalhado pelos cantos, as paredes coloridas, as folhas em branco e pensou - Eu seria capaz de escrever uma poesia por segundo pelo resto das horas que ainda faltam pra terminar o mês!

Maycol C.
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sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Entre Pedro e Parede

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Não tinha lugar, não tinha chão
Luz de poeira pintando o som
Outros caminhos, outro novo lugar
Sorrisos e olhares se perdem, se encontrar

Entre Pedro e a parede, eu
Sentimentos, junção do dele e o meu

Poesia se fez, tatuagem pra marcar
Madrugada fria, jeito delicado de fumar
História de quem não acredita em destino
Homens ainda pouco tempo atrás que eram meninos

Entre Pedro e a parede, vontade de ficar
Deixar o tempo correr solto, dormir e não acordar

Viagem de coisa que fica pra sempre na gente
Lembrança doce, coisa que nem sempre se sente
Relógio que bipa, e o tempo não parou
Juntar restos, guardar no boldo o que ficou.

Entre Pedro e a parede, espaço sem fim
Sentimento que cresce, coisa boa guardada em mim.
 

Maycol C.
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